Muçulmanos e sociedade portuguesa: chegada, formação, integração e sua presença nos media

O fenómeno ainda muito recente da nova presença islâmica na costa ocidental da Península Ibérica foi desencadeado na viragem histórica do Portugal de hoje: a partir do ano de 1974, quando o regime de Salazar/Caetano finalmente caiu e as antigas colónias ganharam a sua independência.

A sociedade portuguesa começou a experimentar uma mudança drástica. Esta mudança fundamental na paisagem política, social e demográfica começou com a revolução, que desencadeou a transição de um sistema autoritário para a democracia,12 e com a há muito devida independência das colónias africanas, que iniciaram o processo de descolonização.13

O contexto histórico-social da chegada de muçumanos

 

Não foi apenas a rigidez do sistema e do ambiente que começou a mudar rapidamente. Aproximadamente meio milhão dos chamados retornados regressou ao seu país natal.14 As consequências das mudanças drásticas em ambas as áreas (PALOP e metrópole) foi que a nação portuguesa (por um curto período) passou rapidamente de um país de emigração para um país de imigração. Isto mudou vários aspectos fundamentais da sua autopercepção. Após ter travado uma batalha perdida nas colónias africanas, o papel do império colonial perdera-se para sempre e as palavras programáticas de Salazar, “orgulhosamente sós”, tornaram-se obsoletas. Como se sabe, aquela frase famosa pagou outrora tributo ao conceito político de Estado Novo, reflectindo o isolamento de Portugal, pelo menos da Europa, em matéria de assuntos económicos e externos. Aparte os desenvolvimentos políticos internos, as alterações à autopercepção de Portugal iniciaram-se na viragem da perspectiva autoformada “pancontinental” para o desejo de integração na Europa, e de novos conceitos para uma política externa nova.Post festum, a frase “orgulhosamente sós” tornou-se obsoleta por outra razão:

Tal como meio milhão dos retornados, cerca de 30 a 45 mil indivíduos não portugueses abandonaram as ex-colónias, durante os primeiros anos pós-revolucionários, e instalaram-se nas grandes cidades portuguesas principalmente nas zonas de Lisboa e Porto.15

A situação e condições de vida eram totalmente intoleráveis nos PALOP — e não apenas para o povo português. Anos de guerra pela independência e a súbita ausência das antigas estruturas administrativas portuguesas, levaram a uma acentuada deterioração de um status quo já dificilmente tolerável. Angola e Moçambique caíram na guerra civil.

Uma nova diversidade religiosa e cultural

 

Tal como se verificara uns anos antes em França, na Grã-Bretanha, na Holanda e na Alemanha, a imigração — causada pela descolonização e/ou pela migração económica — mudou as constelações religiosoculturais dos países europeus. Iniciada pelo processo de descolonização, a paisagem religiosa e cultural de um Portugal muito católico mudou — fenómeno mais visível em Lisboa e seus subúrbios.

Ao mesmo tempo, quando se lançaram as pedras fundadoras do pluralismo político e da consolidação da democracia, os países da Europa Ocidental de emigração por excelência “perderam” a sua enorme homogeneidade religiosa e cultural — o que foi mais visível em Lisboa e seus arredores.

A filiação religiosa e o passado cultural dos imigrantes dos PALOP são diversificados: religiões (locais) africanas, paganismo e cultos sincretistas, catolicismo de influência romana e formas africanas, uma pequena percentagem de protestantismo, formas diferentes de Islão afro-cultural (incluindo grupos sufi), Islão sunita de antiga origem indiana, ismaelismo e hinduísmo.16 Os muçulmanos sunitas africanos vieram da Guiné-Bissau.17 Outros muçulmanos africanos emigraram para Portugal vindos de Moçambique.18 Embora haja muitos muçulmanos sunitas da África Oriental e ismaelitas (um ramo xia), ambos de origem indiana, Moçambique foi o ponto de partida da maioria dos muçulmanos que vivem actualmente em Portugal.

Por várias razões, o estudo da nova presença islâmica na Europa debate-se com o problema geral de reunir dados numéricos fiáveis, o que é verdade tanto para cidadãos muçulmanos, como para imigrantes que vivem em Portugal.19 Somos forçados a trabalhar com base em diferentes cálculos de números de casos desconhecidos de imigrantes e com uma imigração ainda em movimento — e fluxos de emigração. Além disso, a maioria das estatísticas disponíveis sobre imigração, bem como os resultados das campanhas de legalização, não documentam dados de filiação religiosa, como o recenseamento nacional português normalmente faz.20 Contudo, parece que apenas uma percentagem não representativa de imigrantes participou nesses recenseamentos. Para além de dados documentados de beneficiários de apoios financeiros, participantes em programas educacionais, casamentos, funerais e os números de eleitores nas assembleias gerais, as próprias comunidades muçulmanas apenas podem estimar o número dos seus membros.21São elas, acima de tudo, quem pode apresentar a visão geral mais realista, por isso a grande maioria dos artigos de jornal assenta nessa visão. Dado que as comunidades são do ponto de vista económico inteiramente autónomas do estado e que nas negociações legais não beneficiarão de qualquer vantagem pela sua mais elevada representação proporcional, não há verdadeira razão para que elas declarem o seu número por excesso ou por defeito.22Além disso, até certo ponto, todos os dados numéricos se baseiam em cálculos e não contêm informação clara sobre a prática religiosa diária de indivíduos muçulmanos a viver em Portugal.

………………………………………………………………………….

Fonte:

http://www.scielo.oces.mctes.pt


Comments

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *